“'Fux disse que ia me absolver'
O ex-ministro José Dirceu, 67, afirmou ontem que foi "assediado moralmente" pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, e disse que ele prometeu absolvê-lo no julgamento do mensalão (…)
O ‘assédio’ teria durado seis meses, até Dirceu concordar em recebê-lo. Durante o encontro, o ex-ministro diz que, sem que perguntasse nada, Fux ‘tomou a iniciativa de dizer que ia me absolver’ (…)
Fux votou pela condenação de Dirceu (…) Ex-homem forte do PT e do governo Lula, Dirceu foi condenado pelo STF a dez anos e dez meses de prisão. Seus advogados aguardam a publicação dos votos dos ministros, que deve ocorrer em breve, para apresentar recursos e tentar reverter a sentença.
Em dezembro do ano passado, Fux admitiu à Folha que encontrara Dirceu quando estava em campanha para o STF, mas negou ter prometido sua absolvição. Ele disse que leu o processo depois e que ficou ‘estarrecido’”
Se o que o réu diz é verdade, que crime terá cometido o ministro, ao pedir a nomeação em troca da absolvição?
Na corrupção ativa o corruptor oferece uma vantagem indevida a um servidor público.
O debate entre os juristas é que, no caso, não é o chefe da Casa Civil quem nomeia alguém ao STF: é o presidente da República. Logo, o magistrado estaria oferecendo algo (a absolvição) em troca de algo (sua nomeação) mas que ele sabia que não podia ser dada pelo réu (que já não era sequer chefe da Casa Civil na época).
Mas ainda que fosse chefe da Casa Civil, para parte dos juristas, o fato de estar ciente que o servidor público não poderia nomeá-lo (ainda que quisesse), tornaria a corrupção ativa impossível. Para outros, não importa se formalmente o servidor público tem ou não capacidade de fazer aquilo que é desejado pelo corruptor: basta que o corruptor acredite que ele tenha tal capacidade de fato. O debate é longo.
Mas há mais um complicador em tentar enquadrar a conduta como corrupção ativa: a corrupção ativa é apenas para atos de ofício (quando o servidor é obrigado a fazer algo ou a deixar de fazer algo. Ele não tem opção). Só que a nomeação de alguém para o STF não é ato de ofício: é ato discricionário. O presidente nomeia quem ele quiser.
Poderia ser, também, prevaricação, que é quando o servidor deixa de fazer algo que é obrigado a fazer (ou faz algo que é proibido de fazer), em razão de seus interesses pessoais.
Há dois problemas em enquadrar como prevaricação: para que a prevaricação ocorra, é preciso que o servidor tenha ido contra a lei. No caso, o réu se diz descontente justamente porque o magistrado não teria honrado sua parte do acordo. Ou seja, não há alegação de que o magistrado tenha agido contra a lei durante o julgamento.
Além disso – e aqui há mais um debate entre os juristas -, embora sentenciar seja indiscutivelmente ato de ofício, o conteúdo da sentença também é ato de ofício? O magistrado é obrigado a punir ou a absolver? Segundo alguns juristas, sim. O papel do magistrado é apenas aplicar a lei. Para outros, não. O conteúdo da sentença é ato discricionário: depende da interpretação do magistrado a respeito da lei, e interpretação é algo inerentemente subjetivo.
Outra possibilidade é enquadrar a conduta como tráfico de influência: o magistrado teria solicitado uma promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por um servidor público.
Aqui, além dos problemas já apontados acima, há o problema de que esse crime visa punir quem tenta intermediar em relação a outra pessoa, e não em relação a si mesmo. E tampouco há qualquer menção de que o magistrado tenha dito que intercederia junto aos outros ministros do STF.
Um crime praticamente idêntico é a exploração de prestígio: alguém solicita uma utilidade para interceder junto ao magistrado.
Novamente, o que a lei visa punir nesse artigo é quem pede algo para interceder junto ao magistrado, e não quem pede algo para si.
Enfim, mesmo que seja verdade, não é tão fácil definir se o que o ministro prometeu fazer e não fez tenha sido crime.
E quem pediu? Ou seja, que crime teria cometido o réu?
Não é corrupção passiva porque, como dito, ele não tinha poder de nomear e já não era servidor público na época do encontro. Só seria corrupção passiva se ele estivesse agindo em nome do presidente da República (nesse casos, presidente e réu seriam coautores do crime).
Também não é a chamada advocacia administrativa, que é patrocinar o interesse privado de alguém junto à administração pública, valendo-se da qualidade de servidor público, já que ele já não era servidor público.
Outra possibilidade seria a prevaricação: quando o servidor público faz algo que a lei proíbe ou deixa de fazer algo que a lei obriga por causa de seus interesses pessoais. Além de o réu já não ser servidor público na época, o problema de enquadrar como prevaricação é que a lei não impõe nenhuma obrigação no procedimento de nomeação dos ministros do STF: se o presidente quiser, ele faz sem consultar ninguém, ao sair da cama pela manhã.
A melhor forma de enquadrar a conduta descrita na matéria acima é como tráfico de influência: um particular (o réu) pede ou recebe a promessa de vantagem (absolvição) a pretexto de influir em um ato praticado pelo servidor público (presidente da República) no exercício de sua função (nomeando um ministro do STF).
Mas e se o que o réu disse é mentira, ou seja, o magistrado nunca disse ou aceitou absolver o réu em troca de sua nomeação para o STF?
Nesse caso, o mais provável é que quem mentiu caluniou ou difamou o magistrado, dependendo se chegarmos a uma conclusão se o que o réu disse que o ministro fez é ou não crime. Se a alegação é de que o magistrado cometeu um crime, ele terá caluniado o magistrado. Caso contrário, será difamação. Em qualquer dos dois casos, o processo só irá adiante se o magistrado ofendido quiser.